Os Desafios Iniciais do Governo Lula
Quais poderiam ser esses desafios logo no in¨ªcio do governo? Entre os v¨¢rios existentes, cinco merecem destaque e tem sido objeto de discuss?o por parte do pr¨®prio Lula
As elei??es presidenciais brasileiras mais importantes do in¨ªcio do s¨¦culo XXI terminaram em outubro de 2022. A vit¨®ria coube Luiz In¨¢cio Lula da Silva, o candidato de esquerda, com 50,9% dos votos, que derrotou o atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, o candidato de extrema-direita, que teve 49,1% dos votos.
O resultado mostra um pa¨ªs muito dividido, imerso numa crise econ?mica que afeta fortemente a popula??o mais pobre e que prejudica o funcionamento das institui??es pol¨ªticas brasileiras. Al¨¦m disso, o pa¨ªs encontra-se num per¨ªodo de isolamento internacional em termos geopol¨ªticos e econ?micos.
O presidente eleito, Lula da Silva, ter¨¢ um in¨ªcio de mandato muito dif¨ªcil em 2023, com desafios que englobam a situa??o da economia, as desigualdades sociais, o relacionamento com o congresso, a presen?a das for?as armadas na pol¨ªtica brasileira e, no cen¨¢rio internacional, a tarefa de recuperar o respeito do Brasil num contexto marcado pelo acirramento da competi??o geopol¨ªtica entre EUA, China e R¨²ssia.
Os desafios s?o tantos que ¨¦ necess¨¢rio, para o presidente Lula e para a sua equipe de governo, estabelecer prioridades imediatas que devem ser atacadas a partir do primeiro dia de 2023. Quais poderiam ser esses desafios logo no in¨ªcio do governo? Entre os v¨¢rios existentes, cinco merecem destaque e tem sido objeto de discuss?o por parte do pr¨®prio Lula.
O primeiro desafio diz respeito a economia. Desde a sua elei??o em 2018, Jair Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, implementaram um ultraliberalismo que tinha como objetivo desmontar a atua??o do Estado na vida econ?mica. O resultado, agravado pela p¨¦ssima gest?o do governo durante a pandemia do Coronav¨ªrus a partir de 2020, foram quedas no PIB, a precariza??o das rela??es de trabalho, o endividamento das fam¨ªlias brasileiras e o aumento da depend¨ºncia da exporta??o de produtos agr¨ªcolas e minerais, de pouco valor agregado. O crescimento econ?mico simplesmente parou, com o aumento do desemprego e da condi??o de miserabilidade de dezenas de milh?es de brasileiros. Retomar o crescimento qualitativo da economia do Brasil, mantendo aquilo que funciona, inovando e implementando pol¨ªticas p¨²blicas para gerar emprego torna-se uma prioridade para o novo governo.
Isso leva ao segundo desafio: o combate a mis¨¦ria e ao desemprego. Ele est¨¢ intimamente ligado a necessidade de melhorar a situa??o da economia, mas pensada como uma atividade que incorpore as massas trabalhadoras. De fato, para recuperar a economia e combater a mis¨¦ria e o desemprego, a a??o do Estado como um grande indutor torna-se essencial. A maneira, no curto prazo, de fazer isso ¨¦ atrav¨¦s da retomada de obras de infra-estrutura, que podem contar com investimentos p¨²blicos e capitais privados nacionais e internacionais. O efeito ¨¦ o de gerar milh?es de postos de trabalho de maneira sin¨¦rgica, diretamente na execu??o de obras p¨²blicas ou em atividades de apoio. No Brasil, o Estado tem experi¨ºncia no fornecimento de assist¨ºncia alimentar e econ?mica b¨¢sica para as popula??es mais vulner¨¢veis, e o presidente Lula dever¨¢ usar a expertise de seus dois primeiros governos com o Bolsa Fam¨ªlia e os programas de compra de alimentos para enfrentar esse desafio j¨¢ no pr¨®ximo ano.
O terceiro desafio diz respeito as rela??es com o congresso nacional. Em 2022, as elei??es tamb¨¦m englobaram o Senado e a C?mara dos Deputados. Como resultado, os partidos de esquerda elegeram uma minoria de deputados e senadores. A maioria desses parlamentares ser¨¢ composta de congressistas conservadores. O presidente Lula ter¨¢ que se relacionar com o parlamento para desenvolver seus projetos de recupera??o econ?mica e de combate a mis¨¦ria. Para isso, precisar¨¢ costurar apoio entre os congressistas de oposi??o para realizar mudan?as estruturais nas verbas federais - por exemplo, modificar ou acabar com o famigerado teto de gastos p¨²blicos - e conseguir acomodar a popula??o mais pobre no or?amento nacional.
O quarto desafio ¨¦ um problema hist¨®rico: estabelecer a preponder?ncia do poder civil sobre as For?as Armadas. O presidente Bolsonaro implementou a volta, em massa, dos militares para a vida pol¨ªtica nacional. Eles ocupam, hoje, postos na administra??o p¨²blica em n¨²meros maiores do que ocupavam durante o ¨²ltimo per¨ªodo de ditadura que se abateu sobre o Brasil, e que ocorreu entre os anos de 1964 e 1984. Ex¨¦rcito, Marinha e For?a A¨¦rea apoiaram a candidatura Bolsonaro j¨¢ em 2018, indo al¨¦m de suas fun??es constitucionais. Foram beneficiados com altos sal¨¢rios para v¨¢rios oficiais, uma maior fatia no or?amento federal para compra de equipamentos e um fortalecimento do seu poder pol¨ªtico. As For?as Armadas j¨¢ demonstraram, atrav¨¦s de declara??es de seus oficiais generais, contrariedade com a volta de Lula a presid¨ºncia e sempre procuraram escapar de qualquer controle civil. Infelizmente, conseguiram ser bem sucedidas nesse processo atrav¨¦s dos anos. Enfrentar esse problema ¨¦ crucial para fortalecimento democr¨¢tico brasileiro no futuro.
O quinto desafio ser¨¢ reposicionar o Brasil no cen¨¢rio internacional num contexto de acirramento da competi??o internacional entre EUA, China e R¨²ssia. A disputa geopol¨ªtica n?o afeta apenas esses atores, mas j¨¢ demonstra o potencial de arrastar o sistema internacional para situa??es de guerra e conflitos diplom¨¢ticos e geoecon?micos, como observamos na presente Guerra da Ucr?nia. A pol¨ªtica externa de Jair Bolsonaro foi um desastre ideol¨®gico na maior parte do tempo, procurando um alinhamento incondicional com os EUA de Donald Trump, uma animosidade com os pa¨ªses europeus por conta da pauta ambiental, um afastamento da China e das rela??es com pa¨ªses latino-americanos governados por partidos de centro-esquerda. O resultado foi o isolamento internacional do Brasil, que gerou problemas diplom¨¢ticos e econ?micos que estar?o presentes em 2023. Lula ter¨¢ como tarefa usar de sua experi¨ºncia e prest¨ªgio internacional para liderar uma reinser??o soberana brasileira no cen¨¢rio global, procurando defender os interesses nacionais e contribuir como uma for?a pol¨ªtica estabilizadora para a resolu??o pac¨ªfica dos conflitos entre as grandes pot¨ºncias, que tender?o a aumentar no curto e no m¨¦dio prazo. Para esse reposicionamento, o Brasil tem que retomar e aprofundar as rela??es com os pa¨ªses do Sul Global, e em especial com a Am¨¦rica Latina e ?frica ao mesmo tempo em que tem que fortalecer a sua participa??o nos BRICS.
Essas s?o os desafios principais que o novo presidente enfrentar¨¢ no curto prazo, ou seja, em 2023. Conseguir resolv¨º-los ¨¦ condi??o fundamental para o sucesso n?o s¨® do seu governo, mas tamb¨¦m para uma reconstru??o e fortalecimento da democracia brasileira como condi??o para o aumento de um papel propositivo do Brasil no mundo.
Fl¨¢vio Rocha de Oliveira, professor de Rela??es Internacionais da Universidade Federal do ABC
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