¡®Fazendo¡¯ ¨¢gua no sert?o nordestino
Mulheres cisterneiras buscam alternativas para conviver com clima semi¨¢rido enquanto fortalecem seus direitos
(Recife, BR Press) - L¨¢ se v?o dez anos e mais um Dia Mundial da ?gua (22/03), desde que a agricultora Lourdes da Silva Oliveira, 50 anos, regou (ou irrigou), literalmente, seu pr¨®prio destino e da comunidade de Santo Ant?nio, na regi?o de Afogados de Ingazeira, no sert?o de Pernambuco, onde vive, trabalhando e criando oito filhos. Lourdes foi a primeira 'cisterneira' ¨C como s?o chamadas mulheres que constroem cisternas ¨C de uma regi?o castigada pela seca no Brasil que, vale lembrar, ainda n?o atingiu a meta de garantir acesso universal ¨¤ ¨¢gua pot¨¢vel, um dos Objetivos do Desenvolvimento do Mil¨ºnio (ODM).
Atualmente, Lourdes ¨¦ uma das tr¨ºs dezenas de mulheres que se tornaram cisterneiras com aux¨ªlio da Casa da Mulher do Nordeste, no sert?o do Paje¨² (PE), buscando alternativas para conviver com o clima semi¨¢rido enquanto fortalecem seus direitos no sert?o pernambucano. Ela arrega?ou as mangas e partiu para a??o, fazendo "trabalho de homem": aprendeu a construir cisternas por meio do Programa Um Milh?o de Cisternas (P1MC), da Articula??o do Semi-?rido (ASA).
A ASA ¨¦ uma rede formada por organiza??es da sociedade civil que atuam na gest?o e no desenvolvimento de pol¨ªticas de conviv¨ºncia com a regi?o semi¨¢rida. Desde que surgiu, em 2003, at¨¦ fevereiro de 2014, o P1MC construiu 519.772 cisternas, beneficiando mais de 2 milh?es e 250 mil pessoas. Ganhou o Pr¨ºmio Sementes da Organiza??o das Na??es Unidas (ONU) e o Pr¨ºmio Direitos Humanos 2010, na categoria Enfrentamento ¨¤ Pobreza, concedido pelo governo brasileiro ¨C importante parceiro do P1MCl, al¨¦m de pessoas f¨ªsicas, empresas privadas, ag¨ºncias de coopera??o e ONGs como a Action Aid Brasil.
A ActionAid tem apoiado o trabalho de 12 organiza??es locais, como a Casa da Mulher do Nordeste, a realizar a??es de mitiga??o dos efeitos da seca prolongada e de promo??o da conviv¨ºncia com o semi¨¢rido, apoiando mulheres que constroem cisternas, como Lourdes e uma de suas alunas, a agricultora Creuza Lopes Ferreira, 52 anos, de um povoado pr¨®ximo, em It?, parte do munic¨ªpio de Carna¨ªba (PE). Creuza, como a maioria das cisterneiras, enfrentou dificuldades na empreitada, acirradas?pelo fato de n?o saber ler, al¨¦m do machismo. "Os homens ficavam curiando (ca?oando) enquanto as mulheres trabalhavam", conta.
As cisternas funcionam como um instrumento de empoderamento das mulheres, que antes tinham de acordar de madrugada e caminhar quil?metros em busca de ¨¢gua. Com a constru??o do reservat¨®rio ao lado da casa, elas passaram a ter mais tempo para se dedicar a outras atividades. Isso tem resultado em mudan?as sociais, pol¨ªticas e econ?micas significativas na regi?o semi¨¢rida brasileira. Uma pesquisa realizada pela Federa??o Nacional dos Bancos (Febraban) revelou que, num universo de 140 mil pessoas beneficiadas, a incid¨ºncia de verminoses e asma diminuiu cerca de 4%.
"Perdi as contas de quantas cisternas j¨¢ fiz", orgulha-se Lourdes. Tanto, que ela foi convidada para ministrar oficinas para outras mulheres em Caruaru, no agreste pernambucano, nos estados do Rio Grande do Norte, Sergipe e Cear¨¢. Nesses lugares tamb¨¦m construiu cisternas. Por cada uma delas, ganha R$ 250. Pelo curso, ministrado pelo P1MC, da ASA, recebeu R$ 600 mais ajuda de custo para condu??o, somando cerca de R$ 1 mil.
Segundo Ana Paula Ferreira, coordenadora de Direitos das Mulheres da ActionAid Brasil, "do ponto de vista da seguran?a alimentar, o trabalho das cisterneiras prepara as fam¨ªlias para estocar uma quantidade significativa de ¨¢gua para consumo dom¨¦stico". Ela explica que "as cisternas tamb¨¦m t¨ºm um conte¨²do de educa??o da fam¨ªlia para trabalhar com a ¨¢gua, diversificando sua capta??o e uso, aprendendo a poupar e reutilizar a ¨¢gua servida, como a que ¨¦ usada para lavar a lou?a, para regar as plantas ao redor da casa".
A coordenadora da ActionAid explica que que cisterna de placa, como ¨¦ chamada a cisterna feita de cimento, ¨¦ mais adaptada ao ambiente semi¨¢rido, refrescando a ¨¢gua, evitando vazamentos e contamina??o. "Por isso, o trabalho das cisterneiras pedreiras ¨¦ valorizado", afirma, justificando porque a ActionAid tem fortalecido o trabalho da Casa da Mulher do Nordeste de capacitar mulheres para exercer a fun??o de pedreiras construtoras de cisternas.
"Do ponto de vista da promo??o da igualdade de g¨ºnero, essa iniciativa abre espa?o para a mulher ocupar uma posi??o relevante na economia familiar, pois gera receita extra para as fam¨ªlias", destaca Ana Paula. "Tamb¨¦m tem o efeito de dar mais voz e poder de decis?o ¨¤s mulheres na comunidade, questionando inclusive preconceitos e estigmas machistas muito arraigados no meio rural".
As cisternas s?o constru¨ªdas por meio do programa ?gua para Todos, do governo federal (gerido pelo Minist¨¦rio da Integra??o Nacional e parte do Plano Brasil Sem Mis¨¦ria), que informa ter destinado R$ 4,7 bilh?es para levar, at¨¦ o final de 2014, ¨¢gua para 750 mil fam¨ªlias do semi¨¢rido brasileiro em situa??o de extrema pobreza cadastradas no Cadastro ?nico do Minist¨¦rio do Desenvolvimento Social e Combate ¨¤ Fome.
Parte dessa popula??o tem sido beneficiada com a instala??o de reservat¨®rios que captam a ¨¢gua da chuva por meio de um sistema de calhas e canos ¨C as chamadas cisternas de placas (450 mil previstas), preferidas pela popula??o, segundo a Casa da Mulher do Nordeste ¨C e cisternas de polietileno (300 mil previstas), ambos os modelos fornecendo ¨¢gua pot¨¢vel para consumo humano, animal e para lavoura por meio de tecnologias complementares como barreiros, sistemas coletivos de abastecimento.
Cada cisterna possui capacidade de armazenar at¨¦ 16 mil litros de ¨¢gua, coletados da chuva atrav¨¦s de calhas. "Uma ou duas chuvaradas?'da boa' j¨¢ d?o para encher a cisterna", afirma Lourdes. Se utilizada apenas para beber e preparar comida, a ¨¢gua acumulada ¨¦ suficiente para suprir uma fam¨ªlia de cinco pessoas por um per¨ªodo de 6 a 8 meses, na ¨¦poca da estiagem na regi?o. Quando serve a outras necessidades, como tomar banho e alimentar animais, o rendimento cai para cinco meses. Existe ainda uma outra cisterna, de produ??o, voltada para o trabalho na agricultura familiar.
Enquanto a meta do Programa Um Milh?o de Cisternas ¨¦ beneficiar cerca de cinco milh?es de pessoas em toda regi?o semi¨¢rida, ensinando a constru??o de reservat¨®rios, o programa ?gua para Todos promete entregar, al¨¦m das 750 mil unidades de reservat¨®rios para consumo humano, mais 76 mil reservat¨®rios de ¨¢gua para atividades agropecu¨¢rias at¨¦ dezembro de 2014.
A ActionAid tem levado a experi¨ºncia desenvolvida no Brasil para outros pa¨ªses onde atua na ?frica, ?sia e Am¨¦rica Latina. "Acreditamos que a troca de experi¨ºncias da sociedade civil entre pa¨ªses ¨¦ muito importante e tem sido insuficientemente estimulada", alerta Ana Paula. "O governo brasileiro, atrav¨¦s da Embrapa e de sua ag¨ºncia de coopera??o, a ABC, est¨¢ investindo muito mais na difus?o do agroneg¨®cio e muito pouco nas experi¨ºncias de tecnologia social que t¨ºm muito mais potencial de reduzir a fome de forma sustent¨¢vel nos pa¨ªses africanos".
Para a representante da ActionAid, a experi¨ºncia da Articula??o do Semi-?rido (ASA) com o programa Um Milh?o de Cisternas, "¨¦ uma iniciativa interessante n?o apenas do ponto de vista t¨¦cnico de uma tecnologia barata e eficaz, n?o se limitando a construir e instalar cisternas. Isso poderia ser feito por uma empresa". ? por isso que as cisternas de polietileno ou PVC, que j¨¢ vem prontas, n?o t¨ºm serventia completa no "ecossistema" do sert?o brasileiro.
Para a AcionAid, "o m¨¦rito do sucesso do Um Milh?o de Cisternas se deve ao fato de ser um processo social, participativo, que envolve organiza??o comunit¨¢ria, capacita??o de m?o de obra local, gera??o de receita local, dinamiza??o da economia local, com compra e venda de mercadoria dos comerciantes locais (cimento, areia, etc), enfim a gest?o comunit¨¢ria do processo de constru??o das cisternas".
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